Catarina Costa: “Quis criar uma sociedade em que os seus habitantes sofressem de amnésia autobiográfica”

Depois de, antes ter publicado vários livros de poesia, Catarina Costa recebeu o Prémio Nacional de Literatura Lions de Portugal (2022) com o seu romance “Periferia». 
Em 2023, reaparece com “E então, Lembro-me”, um outro romance que já estava escrito antes da obra premiada. Em ambos, a autora explora a memória como base da nossa identidade. 
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P-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «E então, lembro-me»?
R-É um livro de ficção que podemos definir como distópico à semelhança do «Periferia», o meu livro anterior. Em ambos os livros decido explorar certas questões que me interpelam num espaço e num tempo narrativos que apresentam uma certa irrealidade, não obstante podermos fazer a todo o momento os paralelismos que quisermos com as sociedades e os tempos históricos que conhecemos. Este desvio do realismo social permite-me uma maior liberdade e dá-me uma maior segurança uma vez que sinto estar a operar num cenário em que sou eu que controlo as regras.

P-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Quis criar uma sociedade em que os seus habitantes sofressem de amnésia autobiográfica, e entender como poderiam viver, trabalhar e assumir a sua humanidade no desconhecimento da verdade sobre si mesmos. Quis perceber como esse conjunto de pessoas se poderia reinventar e construir uma nova identidade pessoal e social na ausência de memória sobre quem eram. E também me interessou explorar como é que se faria o processo de reconstituição da memória nesse mundo, quer a um nível individual quer colectivo, a partir das vagas reminiscências parciais e contraditórias que paulatinamente fossem surgindo na mente de cada um.

P-Depois de ter recebido o Prémio Nacional de Literatura Lions de Portugal 2022 (romance “Periferia»), sentiu de alguma forma o peso dessa distinção na escrita do romance seguinte?
R-Qualquer distinção, prémio ou reconhecimento social acarreta as suas responsabilidades. Por outro lado, é também importante preservarmos a nossa independência artística face ao julgamento do público.

P-O ambiente em que decorre este romance tem algo de semelhante com «Periferia»: a falta de liberdade, um Estado opressor e violento, a injustiça injusta e incompreensível. Houve, intencionalmente, uma ideia de continuidade?
R-Este romance, na verdade, foi escrito antes do «Periferia», portanto devemos colocar as coisas de modo inverso, isto é, o «Periferia» surgiu na continuidade deste. No entanto, esta continuidade não foi propriamente intencional. Simplesmente achei que as temáticas que queria abordar poderiam ser melhor exploradas sob o pano de fundo de uma sociedade distópica.

P-Outro eixo importante da sua escrita é o da memória e da importância da sua preservação como até uma forma de sobrevivência?
R-Sendo a memória a base da nossa identidade, a sua preservação é de facto fundamental. Neste livro vemos os protagonistas a quem lhes foi extorquida a memória biográfica a tentarem lembrar-se do passado e a recolherem e a registarem com cuidado cada recordação que lhes vai surgindo como algo precioso que não querem perder de novo, ainda que seja difícil estabelecerem uma linha divisória entre recordações de coisas reais e imaginadas. Ao mesmo tempo, os protagonistas partilham entre si as suas recordações e entreajudam-se no processo de recuperação destas: os seus fragmentos de recordações pessoais e íntimas acabam por ser também pertença da comunidade.

P-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Neste momento não me encontro a escrever algo estruturado. É, na verdade, a primeira vez que estou a fazer uma pausa mais prolongada na escrita, e ainda ignoro se isto terá algum benefício. De qualquer forma, começo a sentir que tenho de regressar o quanto antes à escrita de um novo livro de ficção.
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Catarina Costa
E então, lembro-me
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Catarina Costa na “Novos Livros” | Entrevistas

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