Ruy Castro e Tom Jobim
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
O jornalista Ruy Castro escreve sobre a Bossa Nova e sobre o maestro Antonio Carlos Jobim Os pequenos textos têm um ritmo brasileiro, numa língua igual à nossa mas diferente, como aliás acontece com todos os escritores do Brasil. Nesse ritmo não está o samba, está a Bossa Nova com Tom e Vinícius e João Gilberto e Miúcha… Mas de onde vem a Bossa Nova? Grande discussão essa também no livro abordada e temos samba de novo, o samba-canção o samba-jazz. A música popular brasileira.
“Sempre que Tom Jobim abria o piano, o mundo melhorava”, ouço “Na Batucada da Vida” e realmente algo de indefinido e inefável faz com que as coisas melhorem um pouco. “De seu piano saíam mares, rios, matas, serras, montanhas, peixes, aves, formando um corpo de beleza e de eternidade em forma de canção. Era como se seu teclado estivesse sujeito aos ventos e as marés.” E é também isso, o Tom do lado certo da vida, um dos primeiros ecologistas do Brasil “O homem começou a derrubar árvores assim que desceu delas.”
Felizmente já estive na Rua Nascimento Silva, 107 com um grande amigo, que é como devemos comemorar a amizade e a alegria, e também na estátua de Tom no fim de Ipanema, quase no Arpoador, onde um chefe de sala de hotel empunhou à nossa frente um regador para retirar o excesso de areia de uma garota de Ipanema.
O Brasil feliz, mas também o Brasil que passou a ignorar Tom, para depois o acolher de novo, “como dizia Vinicius, não há nada como o tempo para passar. 0 tempo é volátil, volúvel, e é inútil procurar explicações. Talvez as pessoas se cansem de odiar.” O homem que “Aos 29 anos, em 1956…já havia composto… Teresa da Praia e Se Todos Fossem Iguais a Você.” E que no “estupendo verão” de 1958, gravou “o LP Canção do amor demais”, altura em que o próprio mundo mudou.
A história de Sinatra. A grandíssima Dolores Duran, enganadinha da silva terá dito “Tom, o Sinatra só vai cantar essa nossa música quando o homem pisar na Lua”…foi antes… E de como o garçom do boteco onde passavam a vida veio à mesa do maestro dizer que estava um cara falando no telefone e perguntando por Antonio Carlos e de como não se percebia nada do que o dito cara dizia porque falava inglês, e, pelos vistos, ligava dos Estados Unidos e, quando Tom se levantou (contrariado) e atendeu, esse cara era Francis Albert Sinatra.
Tom é uma especie de anjo que por aqui passou, teve muitos parceiros, um deles uma espécie de diabinho, o poeta e diplomata Vinicius de Moraes. Como foram bons esses dias. A perfeição. E nós fazemos parte deles. Mas ainda há tempo para o amor de Tom pela língua portuguesa e pelas palavras em “al” que “denotavam a presença árabe na Península Ibérica”. Tudo isto lido enquanto ouvia a música e os poemas e a beleza e uma espécie de sonho onde todos devíamos ter vivido. E, no meio disso tudo, ouço Wave. Ouçam Wave. Tom pediu a vários letristas que escrevessem um poema para a música. Ninguém quis. Chico Buarque ainda lançou os primeiros versos, o resto o próprio Jobim teve de inventar, e ficou assim “Vou te contar/O que os olhos já nem podem ver/Coisas que só o coração pode entender…” Que lindo tudo isto!
Que encantamento.
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Ruy Castro
O Ouvidor do Brasil – 99 Vezes Tom Jobim
Tinta-da-China 19,90€