J.-M. Nobre-Correia: “Uma prática norteada por um sensacionalismo barato obsessivo”

1-Qual a ideia que esteve na origem do seu livro “Média e Jornalismo em Portugal”?
R-Durante os mais de 45 anos que eu vivi em Bruxelas, sempre segui, evidentemente, a situação dos média e do jornalismo em Portugal. Que mais não seja porque fiz os estudos que fiz (nomeadamente em Informação e Comunicação) e porque fui aquilo que fui profissionalmente (investigador, assistente e professor nesta área), tendo sido sempre assinante de jornais portugueses e acompanhado a televisão portuguesa quando ela começou a ser distribuída nas redes de cabo em Bruxelas. Porém, com o meu regresso a Portugal, vai para 12 anos, passei a ter um contacto mais regular com a realidade portuguesa dos média e da prática jornalística. O que me levou muito naturalmente a escrever mais frequentemente sobre esta realidade no meu blogue (notasdecircunstancia2) e em jornais (sobretudo no Público, no Diário de Notícias e mais raramente no Expresso). Mas, claro, os textos de blogue ou de jornais têm que ser relativamente curtos. Pelo que senti a necessidade de poder desenvolver mais a minha na análise da situação dos média em Portugal e do jornalismo que se pratica nos média dominantes ditos “nacionais”. E daí este livro…

2-Os acontecimentos no grupo Global Media evidenciam uma crise que não é de agora. Do seu ponto de vista, qual a melhor solução para enfrentar o que considera ser o “subdesenvolvimento da imprensa” na paisagem mediática portuguesa?
R-No meu entender, há que criar urgentemente um fundo dotado de meios financeiros importantes. Meios provenientes da União Europeia e do Estado português, assim como de instituições, de empresas e de privados cujas doações seriam facilitadas por uma legislação fiscal favorável a este tipo de iniciativas. Este Fundo teria imperativamente que ser administrado por gente de reconhecidas independência e competência na matéria. O dito fundo teria dois objetivos prioritários. Por um lado, analisar devidamente propostas de jornais atualmente existentes e desejosos de reforçar as equipas de redação, de tomar iniciativas jornalísticas novas (em correspondentes, grandes reportagens ou cadernos especializados, por exemplo) ou mesmo de reforçar a promoção do jornal em termos de assinaturas e de preço de venda aos leitores. Depois haveria que suscitar iniciativas devidamente argumentadas e documentadas provenientes de equipas de jornalistas e gestores, eles próprios acionistas em maior ou menos escala de empresas editoras. E este segundo tipo de iniciativas deveria privilegiar as que tivessem por origem a chamada “província” e mais particularmente “o interior”, de maneira a descentralizar uma abordagem da informação demasiado “centralizada” atualmente em Lisboa e acessoriamente no Porto. Uma segunda iniciativa deveria favorecer fiscalmente as assinaturas de jornais por empresas (para o seu pessoal), instituições (para os seus aderentes) e privados. O que suporia um custo reduzido das assinaturas e nisto o Fundo evocado antes também poderia intervir.

3-Escreve: “os média esquecem que o seu futuro e até a sua sobrevivência estão intimamente ligados aos da democracia plural”. Considera que os meios de comunicação nacionais conseguirão ajudar a inverter esta situação duplamente preocupante: ameaças directas à democracia e crescimento da influência das redes sociais na construção da opinião pública (e, por arrasto, nas decisões dos eleitores)?
R-Há que dizer, antes do mais, que, globalmente, os média dominantes em Portugal são largamente responsáveis pelo clima extremamente preocupante que reina no país, privilegiando uma abordagem da atualidade inacreditavelmente populista, ostensivamente anti-política e anti-Estado de direito. E esta situação não é nova: resulta de uma prática norteada por um sensacionalismo barato obsessivo e um watergatismo quixotesco que tem pouco a ver com o jornalismo no melhor sentido do termo. E não nos iludamos: serão precisos longos anos para inverter a situação e para que um jornalismo de qualidade possa democraticamente afirmar-se, exercendo as suas funções prioritárias de informação rigorosa dos cidadãos e de verdadeiro contrapoder em relação às derivas das gentes do poder político, económico, social, cultural, desportivo. E para que tal possa vir a acontecer, há que favorecer o aparecimento de novos média concebidos por gente nova, para quem as políticas redatoriais terão que ser inalienavelmente dominadas pela noção de informação como bem público, assim como por um inquebrantável sentido da independência e o mais exigente profissionalismo…
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J.-M. Nobre-Correia
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