João Ferreira Dias | Ensaio

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu novo livro “Guerras Culturais: Os Ódios que nos Incendeiam e como Vencê-los”?
R-Em primeiro lugar, a evidência de que a polarização social e política é uma marca distintiva do nosso tempo, com o crescimento das afirmações identitárias, à esquerda e à direita, e que essa realidade tem conduzido a uma sensação de inevitabilidade de uma cisão da comunidade, da já conhecida ideia de “chão comum”. Ora, não estou convencido disso. Portanto, o livro primeiro traça um mapa da realidade e por fim caminhos para superar essa polarização. Embora seja difícil, a verdade é que a polarização é resultado de consciências coletivas morais de “pureza” que estão em conflito. As guerras culturais surgem porque os lados da sociedade julgam-se na posse da “verdade” e por isso qualquer concessão é uma impureza. Desse modo, com o livro quis: apresentar as fundações tanto do conceito de “guerras culturais” quanto dos quadros teóricos que estão na base de visões sociais radicalizadas; apresentar a dimensão internacional das mesmas; mergulhar na história e atualidade das guerras culturais em Portugal e apresentar caminhos para as superar.

2-As guerras culturais não são um fenómeno novo: o que podemos aprender com as guerras culturais do passado?
R-É verdade, não são. A história tende, de alguma forma, a repetir-se, por isso Faulkner disse que o passado não está morto, nem sequer é passado. Assim, o que podemos aprender é que quanto mais deslaçada for uma sociedade, quanto mais moralmente se radicalizam os diversos setores da sociedade, mais difícil é preservar a democracia e o seu “chão comum”. Qualquer comunidade precisa de consensos, de plataformas de entendimento, de valores partilhados. Quando setores radicais, à esquerda ou direita (digamos assim, para simplificar) se julgam moralmente superiores, acreditam ser “donos da verdade”, que a bem da justiça social ou da “nação” podem ditar como os outros devem pensar, falar, agir ou o que valorizar, estamos já fora da democracia liberal que nos tem caracterizado como modelo político Ocidental. Em suma, as guerras culturais são sempre um caminho de suicídio coletivo quando levadas ao extremo. Agora, há guerras culturais de baixa intensidade que são necessárias para garantir direitos para grupos invisibilizados ou marginalizados.

3-Hoje estamos já a lutar, novamente, pela democracia e pela liberdade. A palavra decisiva será, talvez, a tolerância: ainda vamos a tempo de voltar a conversar e começar uma nova etapa?
R-Estamos sim e, aliás, aproveito para adiantar que tenho em mente um livro mais focado na crise da democracia. Em relação à tolerância… devo dizer que é um termo que não gosto muito, porque tende a supor um desequilíbrio – quando eu tolero alguém é porque me julgo superior a essa pessoa e na minha condição de ser magnânimo aceito a sua existência. Mas percebo onde quer chegar, e a forma de superar as guerras culturais, em primeiro lugar, é encontrar a tolerância, um ponto prévio ao respeito mútuo em que se aceita a existência do outro, mesmo que se o julgue errado, inferior, ou imoral. Se vamos ou não a tempo, essa é outra questão complicada… em tese diria que sim, mas precisamos de agir rapidamente e precisamos que seja de um modo que inverta as tendências. Isso é em tese; na prática, diria que não, a julgar pelos ciclos internacionais, vamos ter um período de iliberalismos generalizados, uma versão reciclada de 1930, antes de avançarmos novamente em direção à democracia liberal. Portanto, diria que (com a margem de erro natural de quem está a fazer uma previsão) vamos andar para trás para depois voltarmos ao ponto em que estávamos antes da crise de 2008, que foi o ponto de viragem.
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João Ferreira Dias
Guerras Culturais: Os Ódios que nos Incendeiam e como Vencê-los
Guerra & Paz  17€

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Escritores falam sobre José Saramago
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25 de Abril em forma de livro
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